Educação Infantil: uma janela com visibilidade e abertura contínua ao aprendizado


Os Habits of Minds, ou hábitos da mente, propostos no livro de mesmo nome de B. Kallick e A. Costa, constituem-se por 16 diferentes ferramentas metacognitivas que caracterizam eficazmente a resposta mental de pessoas confrontadas a situações conflituosas, em que se questionam sobre a maneira mais eficiente e reflexiva de solução. Para que toda a comunidade se sensibilize no sentido de evocar suas resoluções pautadas em processos de reflexão sobre o próprio pensamento, faz-se necessário engajar as crianças na visibilidade de seu pensamento desde os anos iniciais escolares com atitudes construtivas envolvendo o apoio de todos os educadores.

A curiosidade guiada por visible thinking routines encoraja a sistematização do pensamento ativo Crédito: Escola Concept SP

Tais posturas são favorecidas pela definição de quais habilidades os pequenos precisam desenvolver; pela escolha de temas de relevância social; reverberação de uma cultura que nutre e qualifica o pensamento crítico da infância; pelo desenvolvimento dos hábitos da mente para um nível de consciência dinâmica; uso um vocabulário rico e ativo; pela qualificação de adulto como eterno aprendente; manutenção do foco durante o processo reflexivo; relação de ideias ao que já sabemos, dentre outras possibilidades ricas, como as rotinas de visibilidade de pensamento, ou Visible Thinking Routines.
Falaremos especificamente sobre um hábito da mente denominado “Mostrando-se aberto ao aprendizado contínuo – Remaining Open to Continuous Learning” que nos conecta à ideia de que só aprendemos pelo valor da própria experiência, e que erros podem se constituir como preciosas oportunidades de aprendizado, formando continuamente novos hábitos e novas ideias de aprendizado ininterrupto.

Crianças, desde pequenas, podem ser estimuladas frente à abertura ao aprendizado significativo. Crédito: Escola Concept SP

Certa vez, em uma sala de Educação Infantil, as crianças de 3 e 4 anos realizavam suas projetações sobre os répteis, a partir de novas conexões que estabeleceram pela comparação de características animais, voltando-se por vezes ao universo dos grandes répteis, elaborando perguntas realmente intrigantes sobre a intersecção de coabitação de animais, como jacarés e lagartixas, pterodáptidos e parassaulophus. A educadora, fascinada pelo nível de questionamentos das crianças, e envolvida pelas ricos contextos pré-figurativos que passavam a definir campos previsionais, entre diferentes grupos de animais, viu-se envolvida em um repertório desconhecido, que lhe abria portas a um território desconhecido e inseguro, convidando-a a relançar as inquietações aos estudantes.
Ao mesmo tempo, percebeu-se capturada pela trama subjacente ao ato de ensinar: interrogação, questionamento, curiosidade.
Olhinhos curiosos às escamas, garras, texturas gélidas e uma educadora que suscita a interrogação, um encontro empático, enquanto questionava “o que vocês estão vendo?” ou, mais adiante nas investigações recorrentes, “o que vocês estão pensando sobre o assunto” e, para alguns que reverberavam em palavras seu pensamento sincrético, “o que você tem curiosidade ou imagina sobre…” (S-T-W = “see, think, wonder”).

Questionar a criança sobre o que ela vê, pensa, imagina, permite que vá mais longe em suas conexões cognitivas. Crédito: Escola Concept SP

Ao longo do processo, mostrou a atitude humilde de dizer o quanto desejava descobrir tais informações, interrogando as crianças sobre como buscá-las. Ao ouvir: “Procura lá no computador, naquela parte de cima, que tem as bolinhas”, ela as instigou a como fazer boas e assertivas perguntas.
Além disso, a educadora compartilhou com as crianças recorrentemente sobre aquilo que elas já sabiam antes da trajetória, revisando-o naquele ponto, sobre o que elas ainda tinham dúvidas e as deixava intrigadas (K-W-L = “know, wanto to know, learn”) para, ao final, listar (que aliás, é uma modalidade textual bastante eficaz com os pequenos) sobre as descobertas visíveis conquistadas.

A natureza fascina as crianças. Questioná-las sobre suas descobertas e questionamentos prévios é uma estratégia metodológica válida

Ao longo de todo percurso, as crianças puderam perceber suas evoluções pela prática da documentação pedagógica que tornou perceptível suas hipóteses, tendo o processo construído registrado, seus pensamentos visíveis, suas ações e hipóteses legitimadas.
A educadora registrou também aquilo que as crianças observaram como hipótese (“acho que o jacaré viveu na era do dinossauro”) para então, confrontar após o repertório de experiências, suas descobertas, todas documentadas em portfólios individuais e coletivos. O uso de operadores prévios, signos, objetos ou imagens que remetiam as crianças a situações conhecidas apoiando-as rumo a novas descobertas também tornou-se importante. A troca entre os colegas, que brincavam, observaram individualmente suas intervenções nos cantos temáticos pré-figurados, conversavam em dupla e, posteriormente, ampliaram suas curiosidades na roda (THINK PAIR SHARE) também favoreceu o valor da atitude dialógica e engrandecedora da troca.

O trabalho colaborativo fomenta a diversidade de perspectivas

Neste processo, a educadora precisou de sensibilidade suficiente para demonstrar humildade por meio da auto-modificação, pois houve informações que ela desconhecia, e precisou demonstrar às crianças o valor da pesquisa e busca de informações rumo à constante ressignificação e aprimoramento. Outras vezes, pela documentação pedagógica, instrumentos de observação de aula por colegas, notou que não fez perguntas suficientes, e imediatamente colocou-se na postura investigadora de quem busca incessantemente desvelar as sutilezas das inquietudes da infância. Tornar-se aberto às oportunidades latentes, ao aprendizado, admitindo que não sabe tudo, é pertencer ao fluxo incessante da vida, fluxo que nos leva ao amadurecimento e ao contínuo progresso, afinal, como diria Sócrates, “só sei que nada sei”!

Pesquisa: COSTA, A; KALLICK, B. Habits of mind across the curriculum: practical and creative strategies for teachers. 1996

About the Author

A autora do site é nascida na cidade São Paulo, e o Curso Normal/ Magistério foi a primeira opção na área docente antes do ingresso na faculdade de Letras da USP, onde concluiu a dupla habilitação português/ alemão em parceria com a EDUSP. Em seguida, cursando pedagogia e a primeira especialização em Moralidade e Relações Interpessoais na Escola, a formação continuada prosseguiu como uma premissa maior, com cursos como Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia, Psicomotricidade e especializações como Bilinguismo e Educação Infantil. Atualmente, também é mestra em Ciências da Educação. Paralelamente, atuou continuamente na Educação Infantil, onde se estabeleceu há mais de 20 anos, assumindo diversas funções até atuar na diretoria de segmento. Também ofereceu diversos cursos e formação por meio de assessoria pedagógica especializada, é ávida leitora, apaixonada pela experiência educativa de Reggio Emilia e considera-se uma eterna aprendiz, seja em contextos locais ou internacionais.

4 Comments

  1. Darlena Costa 6 years ago
  2. Selena Marciani Dalla 6 years ago
  3. Lúcia de Mendonça Ribeiro 6 years ago

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