Valorizar as narrativas da infância

Se tivermos em mente a perspectiva pós-moderna da Educação Infantil, com seus contextos próprios, recorrentemente nos questionamos sobre a necessidade de sairmos das fronteiras da pedagogia tradicional, que estipula metas estanques, métodos centralizadores e conteúdos dissociados da realidade. Muitas vezes nos sentimos insatisfeitos com o excesso de sistematização e formas de garantia à prontidão que rouba a capacidade criativa plena das crianças.

Nesse sentido, é importante entendermos que a experiência educativa pode provocar muito mais significância que a tradição, evocando as culturas representativas da sociedade em que vivemos, o que demanda investir, desde a tenra idade, em pesquisa e inovação. Afinal, com transformações tão velozes e o advento tecnológico, precisamos explorar e compreender como as crianças reconhecem o meio urbano em que vivem, garantindo o respeito às realidades polissêmicas e multiculturais. E isso implica em muito mais do que atividades pré-definidas, que atendem às expectativas dos adultos, sem necessariamente questionar quem é a criança de quem falamos e quais as suas curiosidades.

A criatividade estética, por exemplo, muitas vezes acaba sentenciada como saber, sem crermos no poder relacional do estupor deste saber que frequentemente não é legitimado ou reconhecido.

O estupor infantil qualifica sua curiosidade

Para compreender o que se passa à sua volta, as crianças precisam de tempo e espaço para contemplação e expressão. As narrativas infantis são repletas de poesia, e a linguagem narrativa é um precioso laboratório que evoca novas linguagens expressivas e coloca em visibilidade a própria cultura da infância.

Nós, humanos, somos também distintos dos animais pelo gênero e talento narrativo que nos pertence, e contraditoriamente, calamos as discussões na escola, as vozes, os conflitos cognitivos. Aprender a narrar significa, então, aprender a interpretar, não bastando saber os fatos, os conteúdos, é necessário compreender o significado dos aspectos do mundo.

Por isso, as crianças precisam falar, elaborar suas teorias, aprender a contar e narrar as experiências cotidianas, sendo que o este talento narrativo que nos aproxima também é desenvolvido.

E como se faz isso?

Simplesmente questionando o currículo escolar, projetando os pensamentos das crianças, ouvindo suas teorias, documentando. Se houver dificuldade por desconhecer o sentido de tais referenciais teóricos, podemos investir em contextos significativos, com materiais inusitados, não estruturados, favorecendo o próprio jogo simbólico. E assim, podemos dar voz e perceber como as crianças trocam experiências e emoções, como tecem o sentido de estarem juntas, valorizando a convivência e a coletividade, que nos emancipa.

Contextos narrativos de tempos plenos em contemplação

Lembrando que a dimensão narrativa é feita desta escuta, e desde pequenas, as crianças escutam com grande fascinação, ampliam assim sua capacidade criativa e conhecimento de mundo, passam a inventar, brincando, para que, atentos, os educadores possam relançar novos contextos problematizadores.

Fochi (2016), ao analisar os percursos heurísticos, ou de descoberta espontânea das crianças, coloca a importância de se ampliar as materialidades e significância dos contextos de aprendizagem, sendo necessário acompanhar as modificações de sentido que as crianças atribuem aos materiais e contextos ofertados a elas, regidas por suas escolhas.

O simbólico como espaço para trocas comunitárias

Se tornarmos a perspectiva malaguzziana, as cem linguagens buscam não trair tal direito de escolha, pelo contrário, garantem-lhe autoria.

O aspecto criativo da invenção e da brincadeira simbólica necessitam de tempo de observação, a fim de que a escuta recíproca possa se emancipar, qualificando o pensamento de modo não fragmentado.

Ao invés de transitar entre tantas atividades escolares, é importante investir na continuidade do tempo, condição de amadurecimento do talento narrativo, que não é só feito de palavras, mas na pluralidade de ideias e intenções.

About the Author

A autora do site é nascida na cidade São Paulo, e o Curso Normal/ Magistério foi a primeira opção na área docente antes do ingresso na faculdade de Letras da USP, onde concluiu a dupla habilitação português/ alemão em parceria com a EDUSP. Em seguida, cursando pedagogia e a primeira especialização em Moralidade e Relações Interpessoais na Escola, a formação continuada prosseguiu como uma premissa maior, com cursos como Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia, Psicomotricidade e especializações como Bilinguismo e Educação Infantil. Atualmente, também é mestra em Ciências da Educação. Paralelamente, atuou continuamente na Educação Infantil, onde se estabeleceu há mais de 20 anos, assumindo diversas funções até atuar na diretoria de segmento. Também ofereceu diversos cursos e formação por meio de assessoria pedagógica especializada, é ávida leitora, apaixonada pela experiência educativa de Reggio Emilia e considera-se uma eterna aprendiz, seja em contextos locais ou internacionais.

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