O elogio e suas implicações morais: existe jeito correto de elogiar?

Segundo a psicóloga americana Dweck (2007), quando estabelecemos um padrão fixo de referência, assentindo por exemplo que a criança é inteligente ou boa em determinada tarefa, ela se preocupa em resguardar a manutenção deste padrão (“Você vai ser um grande escritor um dia” – alternativa construtiva: “seu texto me inspirou várias ideias”), preferindo não se arriscar em situações desconhecidas, em que eventualmente poderá não corresponder. 

Resumindo estudo realizado na Universidade de Columbia por Dweck (apud TARRIO, 2010) de como as pessoas são afetadas pelo que é dito sobre suas capacidades, realizado com crianças de sexto ano que fizeram alguns testes compatíveis à sua idade que foram elogiadas por seu esforço (“Você deve ter trabalhado muito nisso!”), 90 % decidiu fazer testes com maior nível de dificuldade. Já a maioria das crianças elogiadas por sua capacidade ou inteligência (“Você é muito bom nisso!”) preferiu não se arriscar e ficar no mesmo nível. Este resultado nos sugere que a verdadeira eficácia do elogio está centrada em sua especificidade ou, ainda, no esclarecimento a quem o recebe sobre os aspectos de sua ação que de fato se destacaram.

Segundo Gil (2010), outro problema recorrente quando acumulamos elogios demais é a não inserção destes em nosso centro de recompensas, já que o cérebro entende que nem é mais necessário enviar o estímulo ou a mensagem de incentivo, retardando o centro de recompensas, acarretando em falta de motivação para fazer as tarefas ou perseverar rumo a novos desafios profissionais e pessoais. 

De fato, quando elogiada de forma recorrente e valorativa, a pessoa pode inclusive temer enfrentar oportunidades e arriscar-se. Basta tomarmos por base tantos jovens que muitas vezes não se arriscam a processos seletivos mais concorridos temendo decepcionar e não corresponder às expectativas (“Você é muito inteligente, vai passar com certeza.”).

O psicólogo Haim Ginott (1974;1989, apud VINHA, 2000) defende que o professor deve continuamente atentar-se para não subestimar o inegável poder que suas palavras têm, uma vez que trabalhar com humanos demanda, entre outras habilidades, o estudo sobre a linguagem mais adequada a ser utilizada nas relações interpessoais. Sendo assim, compete a nós, educadores, aprofundar os conhecimentos sobre o tema. 

Para Ginott (1969-1975), o princípio norteador de uma efetiva e, portanto, construtiva comunicação, é saber focar os enunciados nos fatos e situações, e não em pessoas, não emitindo julgamentos pessoais, mas descrevendo a ação de forma a se legitimar o seu autor. Já para a crianças, o elogio valorativo é igualmente desastroso.

Quando, por exemplo, a criança pensa que não faz jus a determinado elogio, ela tende a sentir-se culpada, podendo reagir de formas adversas. Outras vezes, quando por exemplo ela faz rabiscos quaisquer e obtém elogios (“Que lindo!”) ela pode mesmo crer que é totalmente capaz de enganar o adulto, duvidando de sua sinceridade ou inteligência ou cria uma dependência dele, ainda que a intenção do adulto seja legítima.

Segundo Thiede (s/d apud VINHA, 2000), o elogio que avalia a capacidade ou desempenho do outro pode ser compreendido como arrogante, pois quem avalia se coloca numa condição de superioridade, de juiz, e não colabora em uma relação de respeito mútuo. Nesse caso, para Ginott (1975, p. 72), “o elogio é uma avaliação e a avaliação é desconfortável. O avaliador julga e os julgados ficam apreensivos.”. Sendo assim, encorajamos, para o desenvolvimento de autonomia, o ELOGIO DESCRITIVO, que descreve as ações, sem tomar partido ou julgar o outro, nem positiva, nem negativamente, mas reconhece as ações. Elogiar é preciso, mas como elogiar, é ainda mais primordial!

Para saber mais:

DWECK, C.S. MindSet: The New Psychology of Success. New York, NY: Greenwood, 2007.

GIL, M.A. O problema do Elogio. São Paulo: Ed. Abril. Revista Superinteressante Abril, 2010, n.271. Disponível em: <https://super.abril.com.br/ciencia/o-problema-do-elogio/>. Acesso em 14 Set. 2017.

GINOTT, H.G. (1969). Pais e filhos: novas soluções para velhos problemas. Rio de Janeiro: Bloch, 1975.

VINHA, T.P; MANTOVANI DE ASSIS, O.Z. A autonomia, as virtudes e o ambiente cooperativo em sala de aula: a construção do professor. In: TOGNETTA, L.R.P.(org.) Virtudes e Educação. Campinas: Mercado de Letras, 2007, p. 159-295.

VINHA, T.P. O educador e a moralidade infantil: uma visão construtivista. Campinas: Mercado de Letras, 2000.

About the Author

A autora do site é nascida na cidade São Paulo, e o Curso Normal/ Magistério foi a primeira opção na área docente antes do ingresso na faculdade de Letras da USP, onde concluiu a dupla habilitação português/ alemão em parceria com a EDUSP. Em seguida, cursando pedagogia e a primeira especialização em Moralidade e Relações Interpessoais na Escola, a formação continuada prosseguiu como uma premissa maior, com cursos como Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia, Psicomotricidade e especializações como Bilinguismo e Educação Infantil. Atualmente, também é mestra em Ciências da Educação. Paralelamente, atuou continuamente na Educação Infantil, onde se estabeleceu há mais de 20 anos, assumindo diversas funções até atuar na diretoria de segmento. Também ofereceu diversos cursos e formação por meio de assessoria pedagógica especializada, é ávida leitora, apaixonada pela experiência educativa de Reggio Emilia e considera-se uma eterna aprendiz, seja em contextos locais ou internacionais.

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