Aluno ou criança? O que usar na Educação Infantil?

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Alguns educadores demonstram incômodo em utilizar a palavra aluno, como já fazia Paulo Freire, questionando a transmissão mecânica e descontextualizada de conhecimento que muitas escolas propõem. A etimologia da palavra, controversa, parece ter sido de fato revelada. Para a interpretação de alguns, a palavra “aluno” teria origem no latim, sendo o ‘a’ correspondente a “ausente” e ‘luno’, que deriva da palavra ‘lumni’, significando “luz”. Portanto, nessa visão, aluno teria a conotação de ser sem luz, sem conhecimento. Infelizmente, parece-nos que tal visão persiste obscura e subjacente a algumas práticas pouco reflexivas.

Elementos da natureza podem integrar o espaço, rompendo estereótipos do ensino somente transmissivo
Elementos da natureza podem integrar o espaço, rompendo estereótipos do ensino somente transmissivo

Contudo, recentemente e opondo-se a tal ideia, pesquisadores (confirmados por fontes seguras como Houaiss) defendem a utilização do termo, apontando de forma embasada que a palavra aluno, ao contrário, significaria literalmente “criança de peito”, “lactante” ou “filho adotivo” (do lat. alumnus, alumni, proveniente dealere, que significa “alimentar, sustentar, nutrir, fazer crescer”). Sendo assim, remeter-nos-ia consequentemente à ideia de aprendiz, condenando a interpretação anterior ao erro.

A organização do espaço pressupõe considerar a perspectiva individual inserida num grupo que legitima a criança reflexiva
A organização do espaço pressupõe considerar a perspectiva individual inserida num grupo que legitima a criança reflexiva

Embora o segundo significado, em termos etimológicos, empregue maior assertividade na sua definição, em suma, ele reitera o primeiro sentido. Afinal, repercute a ideia indigesta de que aluno é uma espécie de lactente intelectual, induzindo-nos, portanto, à imagem de alguém imaturo, frágil, que precisa ser alimentado diretamente, exigindo assistencialismo direto para ter condições de progredir cognitiva e emocionalmente.
Se hoje falamos em criança competente, ativa, crítica e até incômoda por sua condição intelectual argumentativa, nenhum desses termos serviria para traduzir o papel de uma criança que atua na solicitação do meio, em ambiente sócio-moral, pois nos remetem à passividade e à transmissão de conteúdos, à educação sem atividade protagonizada nem criatividade. Hoje, nosso contexto demanda a formação de pessoas crítico-reflexivas, educadores atualizados, que desestabilizem, mas que saibam fazer boas perguntas e interpretar respostas inusitadas. Educamos, pois, para uma autonomia moral e intelectual e não para uma “lactação”. Há necessariamente conteúdos de ensino sistematizados e intencionalmente organizados, bem como progressões de aprendizagem a partir de conhecimentos sociais, contudo, a forma como as crianças acessam tais informações pode ser coercitiva ou motivadora, revertendo-se ou não em aprendizagem significativa.

O percurso individual é valorizado tanto quanto a projeção de conteúdos
O percurso individual é valorizado tanto quanto a projeção de conteúdos

Não é o professor que “faz crescer o aluno”. É um processo recíproco, colaborativo. Não existe fator externo que sustente o conhecimento, afinal, o sujeito necessita mobilizar seus esquemas interiores, nutrir autonomamente aquilo que chamamos de automotivação para a aprendizagem, coordenar perspectivas e resolver problemas, demandando, portanto, do outro para legitimá-lo.
Enfim, seja “sem luz” ou “lactante”, esta é uma realidade educativa a ser indagada, questionada e transformada. Mais do que “alunos” será que não é necessário desejar CRIANÇAS na Educação Infantil?

About the Author

A autora do site é nascida na cidade São Paulo, e o Curso Normal/ Magistério foi a primeira opção na área docente antes do ingresso na faculdade de Letras da USP, onde concluiu a dupla habilitação português/ alemão em parceria com a EDUSP. Em seguida, cursando pedagogia e a primeira especialização em Moralidade e Relações Interpessoais na Escola, a formação continuada prosseguiu como uma premissa maior, com cursos como Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia, Psicomotricidade e especializações como Bilinguismo e Educação Infantil. Atualmente, também é mestra em Ciências da Educação. Paralelamente, atuou continuamente na Educação Infantil, onde se estabeleceu há mais de 20 anos, assumindo diversas funções até atuar na diretoria de segmento. Também ofereceu diversos cursos e formação por meio de assessoria pedagógica especializada, é ávida leitora, apaixonada pela experiência educativa de Reggio Emilia e considera-se uma eterna aprendiz, seja em contextos locais ou internacionais.

2 Comments

  1. Paula de Carvalho 7 years ago

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