Cada criança tem seu tempo de amadurecimento próprio. Mas é certo que cada uma delas se encanta com o entorno, com os pequenos mistérios da vida, e que esta suprema capacidade investigativa pode extinguir-se com o cessar da infância, com a ação de roubar suas linguagens inerentes, com a contínua mania que temos de adultizar as crianças. Nós apreciamos o sadismo. Sim, porque, por exemplo, achamos belíssimo assentir que uma criança namora outra, que a menina já é uma moça, que a criança é um bebê quando chora (como se nós adultos não o fizéssemos, ainda que reclusos) e por aí vai.
E antes de acelerar e roubar as vozes das crianças que são incitadas a escrever antes da hora, a decorar informações, a terem agendas superlotadas, a se vestirem como adultos, precisamos aprender a compreender dois aspectos fundamentais: o que é aprender e do que criança realmente que gosta.
Bem, simplesmente afirmar que a criança adora dançar como adulto ou maquiar-se é simples. Mas entender a infância é complicado. Criança gosta de estar com criança. Ela tende a imitar, reproduzir. Isso não quer dizer que ela deseje ser algo para que ainda não esteja cognitiva e emocionalmente preparada. E, ainda, ela quer, a todo custo, agradar seus pais, corresponder a uma expectativa. Contudo, viver tão pequena em função de uma imagem social não é positivo. Se os pais incentivam verbalmente seu desempenho, ela entende que determinada atitude é importante. Portanto, adultos são fundamentalmente modelos potentes e decisivos. Ofereça-lhes natureza e simplicidade, que serão crianças. Ofereçam-lhes e reforcem o inadequado e terão seu tempo de infância reduzido.
E como salvar as próprias crianças dessa tendência natural de acelerar a infância? Parece simples mas não é: respeitando seu movimento natural: investigar. Dando-lhe voz, ouvindo o que têm a nos perguntar, registrando o que dizem, dando-lhes campo de investigação, instrumentos de pesquisa. E para pesquisa de campo infantil, nada mais efetivo que a própria natureza! Misturas, elementos como gravetos, folhas pedrinhas, objetos não estruturados, ainda que industrializados, como reciclados são excelentes exemplos.
Vamos falar então, de como as crianças aprendem. Hoje, já não cabe o modelo tradicional que, como o mecanicista, enxerga a criança como alguém programável, para um fim que se encontra fora dela. Nesta visão equivocada, não há sentido em aprender, e sim treino, para fins padronizados, visando a uma vida adulta. Não podemos cancelar uma criança genuinamente crítica e curiosa. A infância é curta, período sensível em ampliações e conexões neuronais, decisiva ao aprendizado, chave à formação da personalidade moral e intelectual. Educar quer dizer, ao contrário, extrair o melhor de cada um, de dentro para fora. E é exatamente daí, do íntimo que nasce o legítimo desejo de aprender. Sim, expectativas de aprendizagem que dialogam com as características etárias, mas que acima de tudo, valorizam os estilos e individualidades potenciais. Por isso, uma Educação Infantil de qualidade talvez seja uma escolha mais poderosa e decisiva do que um Ensino Médio eficaz.
No contexto contemporâneo, por exemplo, já não há sentido em se ter as tradicionais aulas de “artes” na primeira infância, mas em se ter um profissional criativo, especializado num ateliê como lugar metáfora da experimentação e escuta. Aula de artes tem geralmente receita pronta, é técnica, artesanato, e tudo isso encontrará espaço suficiente no Fundamental. Na Educação Infantil, precisamos educar a curiosidade e a criatividade, até mesmo para que níveis de assimilação e abstração de maior complexidade se desenvolvam. Se quisermos sempre os mesmos resultados, treinamos. Se quisermos resultados diferentes, provocamos a criatividade, educamos. À medida que a cultura do ateliê se difundir, ela precisará se tornar visível, bem como a aprendizagem do conjunto, dos percursos investigativos que tornam visíveis os processos de aprendizagem. E a partir dos anos 80 isso começou a ocorrer na Itália, em Reggio Emília e lá, pulou-se o muro do convencional com uma referência inspiradora para o mundo! Desde então, tem-se buscado a referência holística e antroposófica que coloca o centro da aprendizado na comolexidade do próprio homem.
Atualmente temos, por exemplo, a ideia dos mapas conceituais como guias para processos de aprendizagem, mas que só fazem sentido quando reconhecemos as crianças como seres potentes e capazes. Os mapas conceituais são formas criativas de avaliar, analisar e conferir foco aos processos criativos e cognitivos por meio do registro hierarquizado, organizado e conectado de ideias e ações investigativas. São ótimas ferramentas, bastante simplificadas, para que os educadores, sejam pais ou professores, registrem e entendam as tensões cognitivas, perguntas e desejos dos pequenos.
Cada criança é portadora de sensibilidade ecológica, e isso ocorre desde que é muito pequena. Quando se permite que ela seja criança como é, aceitando-se seu papel social e cultural, assume-se, família, escola e sociedade, um imediato protagonismo, e múltiplos recursos afetivos, intelectuais, sensoriais são ativados, todos se fazem perguntas, porque estão em relação com o mundo. Interrogamos a educação atual e a infância porque precisamos defendê-la, conectá-la, ouvi-la na reformulação do currículo da infância.
Acreditamos na criança e em suas cem linguagens que não separam as dimensões da experiência. Se deixarmos as crianças procurarem suas respostas, investigando, elas compartilham hipóteses, teorias, uma influencia a outra, e se formam novas ideias de aprendizagem integrada.
Afinal, nós aprendemos na relação com o mundo exterior, num processo verdadeiramente interativo, culminando na construção de mapas e significados que nos permitem explicar a realidade. Lembrando sempre: a aprendizagem não é um processo individual, mas comunicativo e solidário, pois compartilha-se cultura, por meio do qual se inventa, descobre, confronta, está sempre junto!
E, se a vontade de presentear excessivamente, de sobrecarregar a infância ainda assim perdurar, ou ainda houver indícios de que o consumismo bate à porta, lembremos sempre da frase do filantropo indiano Ratan Naval Tata, que diz: “não eduque seus filhos para serem ricos. Eduque-os para serem felizes. Assim, quando crescerem, eles saberão o valor das coisas, não o seu preço”.