As regras na Educação Infantil

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A Educação Infantil é um segmento escolar de suma importância para a construção de autonomia moral. E essa construção está muitas vezes ligada ao tipo de ambiente que se oferece na escola: autoritário, coercitivo ou democrático. Poucas pessoas compreendem que um espaço reflexivo e democrático está longe de se poder fazer simplesmente o que se deseja. Muito pelo contrário. Nesse locais, ao não ser regido pelo autoritarismo docente, ainda que velado pelas doces recompensas e punições, há de se levar em consideração a perspectiva do outro, o contrato grupal, esforçando-se para estabelecer regras justas e precisas para aquela pequena comunidade. Em verdade, há muito mais trabalho intelectual e reflexivo, em detrimento de obediência cega. E como isso pode ser promovido, afinal? Como enaltecer um ambiente solicitador, um espaço sócio-moral democrático em que as regras são valorizadas?

Compartilho abaixo um texto baseado nas obras de De Vries & Zan (1995):

As regras na escola devem ser legitimadas
As regras na escola devem ser como contratos grupais

“Numa classe construtivista apropriada para crianças, uma das metas do professor é criar um sentido de comunidade no qual o respeito mútuo seja praticado. As crianças respeitam o professor, o professor respeita as crianças e as crianças respeitam umas às outras. A atmosfera de respeito é um contexto necessário para promover o desenvolvimento de autorregulação nas crianças. Ao escolher entre as crianças que são autorreguladas, isto é, que seguem regras baseadas em sentimentos autoconstruídos da necessidade para comportar-se ou tratar os outros e as crianças que seguem regras insensatamente, dentro de um sentimento de coerção, nós preferimos a anterior. Somente quando as crianças são autorreguladas elas saberão como se comportar na falta de um adulto como guia.

O processo de estabelecer regras

Uma valiosa forma que promove a autorregulação das crianças é a de envolvê-las no processo detomar decisões sobre as regras e procedimentos que regularão a vida delas em classe; decisões diárias e específicas sobre o que elas farão em suas classes e até mesmo decisões sobre o currículo. Neste artigo, nós discutiremos como envolver as crianças no processo de fazer regras.

As regras deveriam ser respostas para problemas ou problemas em potencial que emergem na classe. Através do envolvimento das crianças com o fazer regras na classe, as crianças têm a chance de entender porque elas têm regras particulares. Isto também conduz para um sentimento de posse das regras. Quando as crianças participam na decisão de como a classe delas está organizada, elas sentiram, mais provavelmente, um sentido de obrigação ao seguir as regras que elas fizeram. Elas também demonstram grande interesse em cumprir essas regras com seus colegas.

Quando nós dizemos que as crianças deveriam ser envolvidas no processo de fazer regras, nós não estamos dizendo simplesmente que o professor deveria solicitar a aprovação das crianças para regras particulares. As crianças deveriam fazer as regras. Fazer regras descreve para crianças, uma das mais claras oportunidades de exercitar autorregulação. Contudo, o professor pode ter preocupações legítimas sobre que tipo de regras as crianças farão ou fracassarão ao fazê-las. Eles podem temer que as crianças façam regras inviáveis ou talvez que decidam que regras são completamente desnecessárias. Esse temor não tem sido observado em nossas experiências de observação das regras nas classes construtivistas. Contudo, o exercício de liderança do professor torna-se criticamente importante ao conduzir o processo e adotar as atitudes positivas das crianças sobre regras.

Como em um jogo, as regras são estabelecidas por todos os envolvidos
Como em um jogo, as regras são estabelecidas por todos os envolvidos

Convidando as crianças a estabelecer suas próprias regras

Nós sugerimos que o professor resista à tentação de fazer a maioria das regras e simplesmente convide as crianças a fazer algumas delas. Regras imponentes para as crianças invalidam o processo inteiro de ajudar as crianças a reconhecer e compreender a necessidade das regras. São também desnecessárias. Se um professor acredita que uma regra é necessária, então ele deve pensar numa forma de apresentar aquela necessidade para a classe como um problema a ser resolvido e dar as soluções das crianças para esse problema. Se o professor não pode pensar numa forma de apresentar para a classe um problema, então ele deveria pelo menos considerar a possibilidade de que a regra nesse caso é desnecessária.

O professor deveria aceitar as palavras e ideias das crianças, e se possível, escrevê-las em algum lugar. As crianças estarão mais inclinadas a reconhecer suas próprias regras quando essas são escritas com suas próprias palavras.

As regras devem ser conhecidas e legitimados pelo coletivo
As regras devem ser conhecidas e legitimadas pelo coletivo

O “NÃO” nas regras das crianças

As crianças geralmente sentem a necessidade de fazer regras concretas, tais como regras específicas para morder, bater, chutar etc.… Elas acham mais fácil pensar em termos de proibição do que em termos do que elas podem ou devem fazer.

Nós observamos, a discussão de se fazer regras numa escola infantil de idades mistas e numa classe de nível I durante a primeira semana de aula. As crianças fizeram cinco regras enfocando o chutar, lutar, beliscar, dar tapas no rosto e bater nos olhos. Então, uma criança sugere apagar as cinco regras e recolocá-las na forma de outra regra: “Não machucar ninguém”.

Essa criança eloquentemente explicou como sua regra significava todas as outras regras e sobre como foi um desperdício de papel escrever cinco regras, quando apenas uma serviria tão bem. Contudo, quando o professor apagou a regra Não bater no rosto, uma criança exclama: -Nós podemos bater no rosto das crianças agora !!! Não há regra alguma !

Então, se as crianças sugerem regras para tratar cada infração possível, elas precisam de todas aquelas regras, porque elas não podem pensar de uma maneira global. Elas descobrirão como simplificá-las mais tarde, quando elas compreenderem a lógica da inclusão hierárquica de subcategorias, dentro de categorias.

Enquanto os professores aceitam os “Não” das regras das crianças, eles devem também tentar sutilmente mudar as crianças em direção ao “fazer” regras. Uma forma de fazer isso é perguntar às crianças como elas gostam de ser tratadas e o que elas precisariam fazer para que sua classe fosse um lugar feliz.

Regras são negociáveis, dependendo dos princípios que as regem
Regras são negociáveis, dependendo dos princípios que as regem

Razões para regras que deveriam ser enfatizadas

Os professores continuamente precisam apontar as razões para regras. Quando as crianças estão sugerindo regras ou quando a professora está recordando-as sobre as regras, a razão para a regra deveria ser enfatizada. Uma forma a ser feita é incluir a razão na regra. Por exemplo, se a criança sugere fazer uma regra declarando: “Não correr na classe”, a professora pode perguntar a criança: – Por que nós não deveríamos correr pela classe? Quando a criança responde que você pode cair e machucar-se, o professor pode então escrever, “Não correr na classe porque você pode cair e machucar-se”. A razão para a regra torna-se parte de uma da própria regra.

Cada turma pode fazer e refazer seu cartaz, de acordo com as necessidades e possibilidades
Cada turma pode fazer e refazer seu cartaz, de acordo com as necessidades e possibilidades

Regras inviáveis

Quando as crianças sugerem regras que são inviáveis essas deveriam ser permitidas, se possível; pois isso daria oportunidade às crianças de descobrirem por elas mesmas que a regra não funciona. O professor pode apontar problemas durante a discussão, mas, não deveria ter o poder para vetar qualquer regra a menos que absolutamente necessário. Se o professor pensa que a regra pode ser conduzida para consequências que não podem ser permitidas, tais como as crianças sendo colocadas em risco ou seus direitos sendo violados, o professor deve ser muito cuidadoso ao explicar porque a regra não deve ser permitida, numa linguagem que as crianças possam entender.

Permitir às crianças estabelecerem as regras nas suas classes, não significa que a classe estará fora de controle. Pelo contrário, nós temos que descobrir que as crianças são mais inclinadas para recordar, respeitar e cumprir regras que são feitas por elas mesmas. Fazer regras propicia o desenvolvimento da autonomia e ajuda as crianças a tornarem-se mais autorreguladas. Nós recomendamos isso como uma forma de criar uma atmosfera construtivista na classe.”

In: PROEPRE EM AÇÃO (site)

Citações: Rheta Devries & Betty Zan

(Para promover a discussão de fazer regras e outros aspectos da atmosfera da classe construtivista, ver: Moral classrooms, Moral children : Creating a constructivist Atmosphere in early Education – DeVries & Zan, 1994; Teachers College Press).

About the Author

A autora do site é nascida na cidade São Paulo, e o Curso Normal/ Magistério foi a primeira opção na área docente antes do ingresso na faculdade de Letras da USP, onde concluiu a dupla habilitação português/ alemão em parceria com a EDUSP. Em seguida, cursando pedagogia e a primeira especialização em Moralidade e Relações Interpessoais na Escola, a formação continuada prosseguiu como uma premissa maior, com cursos como Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia, Psicomotricidade e especializações como Bilinguismo e Educação Infantil. Atualmente, também é mestra em Ciências da Educação. Paralelamente, atuou continuamente na Educação Infantil, onde se estabeleceu há mais de 20 anos, assumindo diversas funções até atuar na diretoria de segmento. Também ofereceu diversos cursos e formação por meio de assessoria pedagógica especializada, é ávida leitora, apaixonada pela experiência educativa de Reggio Emilia e considera-se uma eterna aprendiz, seja em contextos locais ou internacionais.

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