Que educador nunca se questionou: “Por que será que esta criança fez isso?”. Ou ainda: “Como esta criança está pensando?”. Para que tenhamos mais embasamento e discernimento para conhecer o quanto os pequenos pensam diferente dos adultos, mas têm lógica própria, faz-se necessário recorrer à teoria, em diálogo prático.
Se tomarmos por base o epistemólogo suíço Piaget, o desenvolvimento intelectual é o processo pelo qual as estruturas da inteligência se constroem progressivamente, por meio da contínua interação entre o sujeito e o mundo externo.
Para Piaget (1975), as estruturas que se constroem sucessivamente durante o processo de desenvolvimento intelectual são formas de equilíbrio, apresentando, cada uma dessas formas, um progresso com relação as que a precederam. O desenvolvimento intelectual é subdividido conceitualmente em estágios, que representam determinadas características, tais como obedecer uma ordem sequencial necessária, verificando-se em cada um deles o aparecimento de estruturas de conjuntos que caracterizam as novas formas de comportamento que surgem. Isso não significa que as crianças não possam ser vistas como únicas, ou que estes estágios sejam fixos. Muito pelo contrário. A criança é um ser em desenvolvimento potencial, e não um “vir a ser”. Mas, por isso, merece que conheçamos intimamente suas características cognitivas, a fim de que entendamos com maior propriedade sua incrível capacidade intelectual.
O funcionamento que permite ao ser humano adaptar-se ao mundo em que vive, se realiza através de dois processos fundamentais: a assimilação e a acomodação. O primeiro processo é da assimilação ou incorporação de um elemento do meio exterior (objeto, acontecimento etc.) a um esquema ou estrutura da criança. O segundo processo é o da acomodação ou modificação do esquema, ou de uma estrutura, em função das particularidades do objeto a ser assimilado.
Em outras palavras, ao adaptar-se a um objeto novo, a criança no estágio sensório-motor aplica sobre ele seus esquemas de ação (olhar, sugar, pegar, balançar etc.) e assimila este objeto a um ou vários destes esquemas. Muitas vezes, entretanto, o objeto, ao ser assimilado, impõe resistência, de maneira que os esquemas dos quais ela dispõe não são suficientes para assimilá-lo. Ocorre, então, a acomodação, ou seja, a modificação do esquema, em decorrência da resistência que o objeto oferece ao ser assimilado. E isso denota puro processo cognitivo, aprendizado.
O meio oferece matéria-prima para que ocorra o desenvolvimento intelectual das nossas incríveis crianças, e seu organismo responde aos estímulos ou solicitações do meio. O meio oferece os estímulos os quais os organismos reagem e disso pode decorrer que o ritmo da sucessão dos estágios sofra acelerações ou atrasos que dependem do meio em que a criança vive. Logicamente, características pessoais também influenciam nestes estágios.
O meio exerce um importante papel no processo de construção das estruturas cognitivas, isto é no desenvolvimento intelectual. A interação do sujeito desencadeia assimilações e acomodações que terminam em equilibrações que tendem à conservação das estruturas, mas também produzem modificações. Isso quer dizer que os pequenos aprendem apoiados naquilo que sabem, formando esquemas e conhecimentos mais e mais elaborados.
Falemos dos estágios em que os nossos pequenos da Educação Infantil se encontram: o estágio pré-operatório, entre os 2 e 7 anos em média, caracteriza-se, fundamentalmente, pela interiorização dos esquemas de ação constituídos anteriormente, no estágio sensório-motor, até os 2 anos. Essa interiorização dos esquemas consiste na representação das ações manifestas da criança. Inicialmente, os instrumentos de que a criança dispõe para conhecer o mundo são os esquemas de ação. No estágio pré-operatório esses instrumentos se aperfeiçoam, transformando-se em manipulações internas da realidade. Progressivamente, a inteligência prática, favorável à resolução de problemas através da ação, vai sendo substituída pela inteligência representativa. É o jogo-simbólico, o faz de conta que vem surgindo concomitantemente!
A inteligência sensório-motora, até os 2 anos aproximadamente, não permite uma compreensão simultânea e completa do conjunto dos acontecimentos. Ela é obrigada a seguir os acontecimentos sem poder ultrapassar a velocidade da ação. A inteligência sensório-motora implica somente as ações concretas do sujeito e dos objetos, comportando distâncias muito pequenas entre ambos.
Já a inteligência representativa, do estágio posterior, é capaz de abranger simultaneamente num todo os eventos isolados. Ela evoca o passado, representa o presente e antecipa o futuro. O campo da aplicação da inteligência representativa abrange a totalidade do universo e liberta-se da realidade concreta, torna-se possível a manipulação simbólica de algo impossível e que não pode ser representado. Isto é, o pensamento é mais abstrato, pode imaginar-se mais, fazer outras operações outrora impraticáveis.
Porém, a criança reage aos problemas práticos do cotidiano ainda com o mecanismo da intuição. Diante de um problema prático, suas respostas se apóiam nas configurações perceptivas, nas aparências do fato observado. Por exemplo: quando apresentamos a uma criança 8-9 fichas azuis enfileiradas com pequenos intervalos e pedimos a ela que faça outra fileira de fichas vermelhas as quais poderá tirar de um monte, constatamos que por volta dos 4 e 5 anos , a criança constrói a fileira de fichas vermelhas do mesmo tamanho que a das azuis, sem levar em conta o número de fichas das fileiras. Isso representa uma forma primitiva de intuição, baseada na avaliação da quantidade apenas em função do espaço ocupado.
Diante dos problemas de conservação, a criança pré-operatória é capaz de inverter mentalmente a direção da ação observada e consequentemente de compreender a ação. A criança é incapaz de perceber que a conservação da quantidade é assegurada pela possibilidade volta ao estado inicial. A criança deste estágio não tem êxito nas provas de conservação porque ela centra o seu pensamento num aspecto único do objeto sobre o qual esta raciocinando. Por isso, novamente, reiteramos o quanto o cotidiano na Educação deve ser importante, bem como o sentido daquilo que se faz.
No estágio pré-operatório podemos observar uma evolução de comportamento de classificação de objetos. O nível mais elementar de classificação é a de coleções de figuras em que a criança agrupa os elementos de um conjunto, não apenas em virtude da semelhança, mas porque são convenientes por quaisquer razões.
Primeiramente agrupa os elementos semelhantes e depois os heterogênios. Depois de ter feito uma coleção de determinado objeto a criança consegue dividi-los em subcoleções. Existem dois níveis de seriação no estágio pré-operatório, sendo o primeiro a ausência desta (não capaz de ordenação, mas de composição de figura). O segundo é a seriação empírica, em que a criança consegue construir uma série através de tentativas, sem compreender a estrutura de ordem, por simples intuição. Assim, se pedirmos para a criança intercalar novos elementos à série já construída, ela mostrar-se-á incapaz, começando tudo outra vez.
Aliás, vale esclarecer que operação é quando o pensamento da criança ultrapassa o nível da representação pré-operatória ingressando no operatório concreto. As estruturas se tornam móveis e mais flexíveis, descentradas e reversíveis.
As operações aparecem no comportamento da criança quando há noção da conservação de um todo independente do arranjo de suas partes, ou seja, quando após uma transformação alguma coisa se conserva, pois a criança concebe a ação transformadora como reversível. As características do pensamento operatório (por volta dos 7 anos) são ações interiorizadas no período anterior, agora se tornam móveis e reversíveis, coordenando-se em estruturas totais transformando em operações.
Embora constituam fontes distintas de aquisição de conhecimento, há uma relação de interdependência entre o desenvolvimento e aprendizagem, pois esta só se realiza quando há assimilação ativa, o que implica fontes anteriores capazes de incorporar o dado a ser aprendido. A aprendizagem interfere o desenvolvimento modificando as estruturas, porém sem dar origem a novas. Portanto, a aprendizagem interfere no desenvolvimento, mas é uma condição necessária, não suficiente.
Em outras palavras, a aprendizagem também está relacionada ao desenvolvimento maturacional da criança. De acordo com as características etárias e estágios pertinentes de desenvolvimento, a criança observa o seu entorno e torna-se capaz de imitar gestos ou comportamentos, sendo uma forma de manifestar seu pensamento.
De acordo com a teoria piagetiana, as noções básicas de conservação, classificação e seriação não são ensinadas, e sim constatadas através de provas de conservação de substância, por exemplo, com a existência ou não de argumentação lógica. Essas noções são desenvolvidas e podem ser estimuladas ou favorecidas por meio de sucessivas experiências, contudo, primeiramente a criança adquire as noções mais simples para que, de acordo com o conhecimento das propriedades dos elementos envolvidos, possa compreender relações mais complexas, conforme suas possibilidades etárias e meio sócio-cultural.
Tais estruturas, portanto, não podem ser aprendidas pela transmissão verbal ou através de demonstração empírica feita pelos adultos, mas sim através do processo de equilibração pelo qual elas se constroem, em situações diversificadas e sistematizada. E novamente vemos a importância de um ambiente adequado, estimulante, com educadores preparados. Cabe à escola, portanto, colocar as crianças em circunstâncias que lhes permitam descobrir e inventar aquilo que desejam saber, reorganizando seu conhecimento.