A Educação Infantil é uma fase escolar em que a socialização começa a acontecer e, consequentemente, exigir os primeiros mecanismos de reciprocidade social. Evidentemente, é um processo gradativo, no qual conflitos se fazem presentes. A perspectiva construtivista pode ser única ao apresentar o conflito e sua resolução como parte importante do currículo e não apenas o vendo como um problema a ser administrado, ao contrário das visões mais conservadoras, em que o conflito é compreendido como problema a ser exterminado.
Primeiramente, e, o conflito é algo inerente ao processo de aprendizagem e da própria vida, sem o qual não nos desenvolveríamos. O conflito difere-se da violência e pode ser compreendido como um processo envolvendo dilemas, desestabilização, testes e incertezas que todo ser humano perpassa para evoluir. Ao invés de o professor gastar seu tempo e energia tentando preveni-los, deve-se aproveitá-los como oportunidades para auxiliar as crianças a reconhecerem os pontos de vista dos outros e aprenderem, aos poucos, como buscar soluções aceitáveis para todas as partes envolvidas.
A criança nasce na anomia (ausência de regras), e durante a heteronomia (contrário de autonomia, fase que a precede), mesmo para a criança pré-operatória o adulto ainda é o melhor recurso para encontrar respostas ou soluções entendidas como “corretas”, uma vez que a regra está implícita no outro. Assim, no caminho para a construção da autonomia, muitos adultos valem-se equivocadamente da coação como forma de educar pelo medo, valendo-se de ameaças recorrentes e até castigos (físicos ou emocionais), levando a uma heteronomia moral, uma vez que a criança age apoiando-se na regulação alheia, socializando-se superficialmente, pela coerção. Por exemplo, muitos professores ainda recorres às punições como forma de resolução dos conflitos, sendo a resolução externa à criança, como perder o parque, transferir a responsabilidade aos pais, ameaçar com carinhas tristes etc. E de fato são efetivas, ou seja, a criança deixa de apresentar o resultado indesejado, contudo, isso não quer dizer que ela aprendeu sobre as consequências reais de seus atos, e sim, que age por coação, por conveniência do professor como controle comportamental, sendo conformista. E se não se desenvolver autonomamente, o que será dela quando não houver um adulto a punindo, recompensando e controlando?
Contudo, existem outras formas muito mais construtivas e reflexivas de resolução, e que resultam num ambiente democrático. Obviamente demendam intervenção recorrente e formação moral do educador. Vejamos alguns exemplos a seguir.
Quando há situações de “fofoca” e intrigas, podemos aproveitar para trabalhar as consequências desses atos nas relações entre as pessoas ao pedir para que os envolvidos discorram sobre como se sentiram, por exemplo e, já dominando a fala, propondo que sugiram resoluções, lembrando-se sempre de que o importante não é a solução do conflito, mas o que se aprende no processo. Já as situações de “mentira” constituem-se em oportunidades oportunidades para refletir sobre a necessidade da veracidade. E as circunstâncias em que há agressões físicas ou verbais entre as crianças, podem ser aproveitadas para trabalhar o reconhecimento dos sentimentos e a resolução das desavenças por meio do diálogo.
Uma explosão da raiva é útil para trabalharmos a expressão dos sentimentos sem causar danos aos outros. E aqueles pequenos furtos servem para a criança ir aprendendo a não pegar o que não lhe pertence sem autorização e o significado do “emprestar“. Situações de desrespeito e consequentemente, os sentimentos de mágoa ou raiva, são experiências que podem demonstrar a importância de se tratar as pessoas com respeito. Por isso, as discussões, avaliações do dia e assembleias são oportunidades valiosas.
É importante que os educadores compreendam que a tristeza, a perda, dor, raiva, frustração etc. fazem parte do processo, a criança precisa aprender a lidar com esses sentimentos. O conflito vivido pelas crianças não pertence ao professor – não lhe cabe resolvê-lo retirando-as deste. Porém, o fato de não solucionar por elas, não é sinônimo de largá-las à própria sorte. Faz-se necessário intervir explicitando o problema de tal forma que as crianças possam entender, ajudá-las a verbalizar seus sentimentos e desejos, promovendo uma interação, e auxiliá-las a escutar umas às outras, convidando-as para colocar suas sugestões e propor soluções. Nesse contexto sócio-educativo, todos os sentimentos das crianças são aceitos, reconhecidos e validados utilizando-se uma linguagem adequada.
Torna-se necessário estimular a criança a descrever por si próprias seus pontos de vista e sentimentos, favorecendo a coordenação destes, evitando-se “falar pela criança”, ou propor uma resolução de imediato. O professor deve defender o valor do acordo mútuo e dar às crianças a oportunidade para rejeitar as soluções propostas. Para isso, o cartaz de combinados feitos pelas crianças, baseados em situações reais, de acordo com a compreensão etária, são como contratos sociais.
Quando surge um impasse e elas não apresentam nenhuma alternativa, pode ser oferecida uma sugestão; perguntar às crianças se concordam com a sugestão apresentada, se é justa, se alguém tem outra ideia… E não impor uma resolução como tradicionalmente se faz, impedindo que as crianças aprendam a pensar e resolver seus impasses.
Por vezes, pode ser que não esteja adiantando a intervenção do professor porque as crianças estão bravas ou com raiva, nesse caso, ele pode pedir que elas se separem até se sentirem mais calmas, podendo escutar e falar. Para crianças que não falam, o exemplo direto na reparação é muito importante para repertoriá-las até que tenham possibilidades de solucionar seus conflitos de forma mais independente. Uma boa resolução atua sobre as causas de um conflito e não sobre as consequências. Isso significa que o educador auxilia o autoconhecimento quando ajuda as crianças a refletirem sobre seus sentimentos e tendências de reação. Muitas vezes as intervenções descuidadas fazem apenas com que as crianças tentem esconder o conflito, podendo este ser um contexto construtivo, mas também pode ser destrutivo pois é a postura do professor que fará a grande diferença.